Mais de um século desde a adoção da semana de cinco dias de trabalho pelo americano Henry Ford, que virou regra no mundo todo, um novo modelo com apenas quatro dias de atividades começa a ser testado, com resultados positivos.
No Brasil, companhias que instituíram a nova jornada veem melhorias de eficiência, bem-estar dos trabalhadores, retenção de talentos e até aumento de receitas. Por ora, a mudança tem sido adotada mais pelas companhias de tecnologia, como Crawly, NovaHaus, Winnin, AAA Inovação, Gerencianet e Eva.
Mas o modelo, que reduz a carga horária de 40 horas para 32 horas semanais sem alteração de salário, exige um planejamento prévio com atenção à legislação trabalhista e à cultura organizacional. Além disso, para ter êxito em termos de gestão de pessoas e negócios, é necessário revisar metas e tarefas diárias e mensurar com frequência os resultados.
O conceito vem de experiências de empresas em países como Islândia, Reino Unido, Bélgica, Nova Zelândia, Escócia e EUA. Muitas decidiram adotar regimes mais flexíveis diante do fenômeno da “grande debandada” (profissionais pedindo demissão) e do esgotamento profissional provocado pelo trabalho, condição oficializada na lista da Organização Mundial da Saúde (OMS).
No País, 61% dos trabalhadores brasileiros consideram mudar de emprego em caso de problemas de saúde mental e 74% acreditam que seriam mais produtivos em uma semana de quatro dias. Dados da plataforma de recrutamento Indeed, obtidos com exclusividade pelo Estadão, indicam ainda que 79% concordam em aumentar as horas diárias de trabalho para ter uma semana mais curta, e a maioria está disposta a apoiar a empresa na implementação do novo modelo (84%).
De acordo com a pesquisa, a redução da carga também melhoraria a saúde mental (85%) e o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal (86%). É o que vem ocorrendo com Gabriele Lima Silva, analista de experiência do cliente da Gerencianet, desde que ganhou a sexta-feira livre. “Aproveito o momento para estar mais próxima da minha família, filho e cachorro, além de cuidar mais de mim.”
O diretor de vendas da Indeed Brasil, Felipe Calbucci, afirma, porém, que a semana de quatro dias pode não fazer sentido para todo tipo de negócio, o que requer avaliar bem a mudança. Isso implica atenção especial à cultura organizacional, diz Evanil Paula, presidente da Gerencianet.
A empresa de meios de pagamentos adotou a sexta-feira livre no início de julho e manteve o controle do ponto para as oito horas de serviço diárias de segunda a quinta. Para implementar o modelo, a Gerencianet fechou acordo com os sindicatos para um novo contrato com os profissionais, atualizando a jornada por seis meses de teste. “Isso é importante, porque a empresa consegue reverter a decisão, caso necessário, sem traumas.”
De forma semelhante, a startup Eva organizou uma assembleia e fechou acordos individuais com os funcionários para reduzir a carga horária a partir de julho. “Antes de definir o dia do descanso, é fundamental um estudo para avaliar os impactos e alinhar às expectativas de todos”, diz o presidente da empresa, Marcelo Lopes.
Novo modelo vira estratégia para retenção de funcionários
A semana de quatro dias de trabalho tem se mostrado uma boa estratégia para retenção de talentos. Num cenário de mercado aquecido em que sobram vagas e faltam profissionais em vários setores, ao oferecer um dia a mais de descanso como benefício, as empresas conseguem disputar mão de obra com companhias estrangeiras que têm salários maiores.
Na empresa de produtos digitais NovaHaus, essa redução da rotatividade já teve impacto nos custos. O presidente da empresa, Leandro Pires, diz que houve perda na entrega, mas não na produtividade. Ou seja, as pessoas diminuíram a jornada de trabalho em 20%, mas deixaram de produzir somente 7%. “Todavia, essa porcentagem foi compensada com a queda da rotatividade e com um aumento de receita.”
A redução da jornada foi definida por acordos individuais e, inicialmente, tem duração de oito meses contados a partir de março. Entre os benefícios aos funcionários, ainda consta um “vale-cultura”, no valor de R$ 400, e duas assinaturas de streaming, os quais têm sido muito bem aproveitados pela gerente de contas Alyne Passarelli. “Faço
várias coisas na quarta off, desde passeios, que no final de semana são mais concorridos, a maratona de séries. A ideia é ter uma pausa no meio da rotina turbulenta, e não um final de semana prolongado.”
Para medir o sucesso da estratégia, a NovaHaus adotou como indicadores de avaliação o comparativo de entregas, pesquisas internas para medir o nível de felicidade, valores dos projetos e a quantidade de faltas. “Os funcionários estão mais felizes, faltam menos e a receita aumentou.”
Resultados semelhantes foram observados na Crawly, empresa de coleta de dados online e análises, que instaurou a semana mais curta em março. “Tivemos um aumento de demanda por causa do comercial e do marketing, e conseguimos entregar tudo sem atrasos”, afirma a gerente financeira da empresa, Luisa Lana Stenner.
Processos internos
Tanto para Crawly quanto para a consultoria AAA Inovação, o sucesso da estratégia é atribuído a uma reorganização dos processos internos. “Acabamos com o e-mail, grupos de WhatsApp, e adotamos metodologias e ferramentas ágeis de gestão de projetos e comunicação interna, como Slack, Runrun.it e Discord”, diz o presidente da AAA, Juan Pablo Boeira.
A empresa adotou a jornada mais curta em janeiro. Em cinco meses, foi verificado crescimento de 120% do faturamento. “Quando a gente percebeu que estava mais eficiente, criamos o Reset Day (dia de redefinir) às sextas-feiras.” Além de monitorar semanalmente aspectos como entregas (performance), custos fixos, eficiência e saúde mental, a AAA Inovação mantém contato com os clientes para saber o nível de satisfação.
“A decisão de adotar a semana de quatro dias diz muito mais sobre como evoluir a sua produtividade e eficiência do que reduzir um dia de trabalho”, diz o presidente da plataforma Winnin, Gian Martinez. A empresa adotou a sexta-feira livre em agosto de 2021 e já vê melhora de bem-estar dos trabalhadores e redução da rotatividade.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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